[RESENHA] AS MAIS BELAS HISTÓRIAS (Volume 1)

sexta-feira, 31 de março de 2017
AUTOR: ANDERSEN, GRIMM, PERRAULT
EDITORA: AUTÊNTICA
NÚMERO DE PÁGINAS: 160
LANÇAMENTO: 2016
GÊNERO: LITERATURA INFANTIL

Este livro foi cortesia da editora devido à parceria com o  evento Aliança de Blogueiros -RJ.


Reunindo textos conhecidos e outros nem tanto assim, As mais belas histórias é uma coletânea de contos clássicos da literatura universal. Nesta edição, encontramos as versões integrais, originais, de histórias já consagradas há anos, como ''A bela adormecida", "O gato de botas", "João e Maria", "Rapunzel" e outros. Esqueça as versões da Disney, DreamWorks e outras, pois aqui tudo é completamente diferente... e menos colorido.

Entre seus 14 contos, o livro te faz passear entre o esperançoso e o trágico, o obscuro e a "luz no fim do túnel". Apesar de parecer infantil, os textos também tratam de temas adultos. Alguns pais podem até ler essas histórias e pensar que são pesadas demais para os seus filhos (e até com certa razão, mas isso vai depender do seu ponto de vista). Bem, na verdade, talvez, a função dessas histórias seja revelar que o mundo não é tão colorido assim. Talvez esse seja o segredo desses textos. Ou não. 
No começo do livro, encontramos uma nota da Editora Autêntica, de Antonieta Cunha, aos pais e professores, muito interessante e esclarecedora à respeito sobre os temas dos textos deste volume.

"O primeiro a ser considerado é que essas histórias pertencem ao folclore mais antigo, não só da Europa. Com as naturais diferenças, devidas à época e ao ambiente, narrativas com núcleo ou tema muito próximos aos dos contos de fadas aparecem em culturas mais antigas que as europeias. E como, como acontece ainda hoje, em geral, o folclore não distinguia o público: os contos de fadas não era especificamente para crianças."

Mostrando um exemplo na prática, vou contar um pouco sobre "João e Maria" e "O Pequeno Polegar". São histórias semelhantes registradas por autores diferentes, de formas diferentes. Partindo do ponto de que sabemos que essas histórias foram contadas apenas boca à boca por anos e anos, é possível imaginar que, conforme o tempo passou, algo da história acabou sendo alterado involuntariamente - como aquela famosa brincadeira do telefone sem fio. 


Charles Perrout registrou O Pequeno Polegar em 1697 no seguinte formato: Um casal, pobre e desesperado por ter muitos filhos para alimentar e nenhuma condição suficiente para isso, resolve abandonar os sete filhos no meio de uma floresta perigosa. Enquanto eles planejavam tal absurdo, um de seus filhos, o menor deles, acabou ouvindo tudo. O menino chorou, mas, no início da manhã, foi até a beira do rio, onde encheu os bolsos com pedrinhas brancas, e voltou para casa. Já no conto dos Irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, de 1812, João e Maria, há duas diferenças neste começo:  ao invés de sete irmãos, o casal tem apenas dois filhos. E esses dois filhos são apenas do pai, pois a mulher é madrasta das crianças. 
No conto de Perrout, o Pequeno Polegar indica aos seus irmãos o caminho de volta para casa através das pedrinhas brancas que jogou pelo chão enquanto caminhavam em direção à floresta - e João, dos irmãos Grimm, fez o mesmo, ajudando sua irmã Maria a voltar. 
Em seguida, em ambas as histórias, as crianças acabam perdidas na floresta numa segunda tentativa de abandono por parte de seus pais (tanto o Pequeno Polegar quanto João jogam migalhas de pão pelo caminho de casa até a floresta, mas as aves as comem). E as maiores diferenças começam logo depois disso. João e Maria, assim como o Pequeno Polegar e os seus seis irmãos, vão parar na casa de uma mulher (no caso dos irmãos Grimm, uma velha bruxa, e de Perrout, a esposa de um ogro).


"No início da manhã, antes das crianças acordarem, a bruxa já estava de pé. Ao ver os dois dormindo, tão lindos, com suas bochechas redondas e rosadas, murmurou para si mesma: 
- Vai ser um banquete delicioso..."

A bruxa tenta fazer com que Maria a auxilie em preparar uma refeição como João, seu irmão, sendo o prato principal, porém a menina acaba se livrando da velha bruxa e as crianças fogem.


"Então Maria lhe deu um empurrão e a levou para o fundo do forno. Rápida, fechou a porta e passou o ferrolho. Pronto: a velha começou a uivar de uma maneira horrível, mas Maria fugiu, e a malvada bruxa queimou até morrer"

Já em O Pequeno Polegar, as coisas são um pouco mais longas e complexas. A esposa do Ogro não é uma pessoa má, mas ele adora apreciar uma carne de criança como refeição. A mulher recepciona as sete crianças famintas, dando-lhes comida e conforto. Porém, quando o ogro volta para casa, a mulher dele esconde Pequeno Polegar e todos os seus irmãos, mas em vão: ele acaba encontrando as crianças apenas pelo olfato. Ele ordena que sua mulher prepare as crianças para uma deliciosa refeição imediatamente, mas ela consegue driblar o marido.

"O ogro já tinha agarrado um deles, quando a esposa sugeriu:
- Para que fazer isso agora? Amanhã não seria melhor? (...) você já tem tanta carne.
(...) - É verdade - concordou o ogro. - Dê comida a eles, para que não fiquem magros demais, e os coloque na cama. 

O ogro tinha sete filhas pequenas. Pequeno Polegar havia observado que as filhas dele usavam coroas de ouro, e, com medo de que o ogro mudasse de opinião sobre não matá-los, levantou-se à meia-noite e, pegando seu boné e de seus irmãos, foi bem devagar e os colocou na cabeça das sete ogrinhas. Antes, ele pegou as coroas delas e as colocou em sua cabeça e nas dos irmãos. 
Pouco depois, o ogro se levantou no meio da noite, arrependido por ter adiado o que poderia ter feito antes. Saiu rapidamente de sua cama e pegou um facão. 

"Assim, sem mais demora, cortou as gargantas de suas sete filhas. Bem satisfeito com o que tinha feito, voltou para cama, junto à esposa. 
(...) A mulher desmaiou. O ogro, temendo que sua esposa fosse demorar demais para fazer o que tinha ordenado, subiu para ajudá-la. Não ficou menos espantado do que ela ao ver a terrível cena.
- O QUE FOI QUE EU FIZ?! - gritou. - Aqueles pestes vão pagar por isso, e é já!" 

E ele saiu, devastado, com suas botas (encantadas) de sete léguas atrás dos sete rapazes. O ogro procurou, procurou, procurou, mas nada encontrou. Ele acabou se sentando para repousar na rocha onde os meninos haviam se escondido. Quando ele pegou no sono, Pequeno Polegar mandou seus irmãos irem para casa. 

"...foi até o ogro, tirou suas botas e com cuidado as calçou. As botas eram largas e grandes, mas, como eram encantadas, tornavam-se maiores ou menores de acordo com o tamanho dos pés de quem as usasse. (...)
Polegar logo partiu para a casa do ogro, onde viu a esposa chorando, amargurada, por causa das filhas mortas.
-Seu marido corre grande perigo. Foi capturado por um bando de ladrões, que juraram matá-lo se ele não lhes der todo o seu ouro e sua prata."

O menino mostra as botas, como forma de provar que o próprio ogro o enviara. E assim a história termina: ele volta para casa com todo a riqueza do ogro, sendo recebido com grande alegria. No conto dos irmãos Grimm, quando as crianças voltam para casa com as riquezas da velha bruxa, a antiga madrasta já havia falecido por uma doença terrível, e então, eles vivem felizes para sempre apenas com o pai. 

E então, conseguiram sentir diferenças propositais entre os dois textos? Pois bem. A primeira coisa estranha dos contos a se observar é o fato dos pais escolherem abandonar os próprios filhos. No texto de Perrout, de 1697, o casal concorda que prefere deixar as crianças na florestas a vê-los morrer de fome. Pouco mais de cem anos depois, na versão dos Grimm, a mãe vira madrasta, e ela quem incentiva o homem a abandonar os seus filhos.

"Estamos quase sem nada de novo, temos só um pão. As crianças têm de ir embora! Vamos levá-las mais para dentro da floresta, de modo que elas não encontrem o caminho de volta de novo. Não há outro meio de nos salvarmos."

Assim como nós hoje podemos nos questionar acerca da atitude dos pais da primeira versão, em O Pequeno Polegar, os pais daquela época, pouco depois do fim da era medieval, e até mesmo as crianças, deviam se perguntam, questionar, esse tipo de coisa. Talvez, os pais não queriam transmitir algo assim aos seus filhos, para que eles não pensassem que, por um acaso, fariam a mesma coisa com eles. E é aí que, através do telefone sem fio do tempo, a mãe tornou-se madrasta. Afinal, a explicação para tal atitude não ficaria bem mais simples dessa maneira? 

Segundo e terceiro ponto; a família Ogra torna-se somente uma bruxa. Nessa época, a bruxa e a bruxaria eram vistas de forma ruim pela sociedade (como algo que fosse verdadeiro, real), principalmente pela influência dos pensamentos cristãos que surgiram. Então, matar e roubar uma bruxa má parecia menos pior, não? Era figura de medo, diabólica... Bem melhor do que "matar" sete crianças por inteligência e roubar todo o ouro de uma família através da trapaça. Com o tempo, acho que acabaram percebendo que o Pequeno Polegar era maduro demais para sua idade...

"A gentil senhora, muito triste e assustada, deu-lhe tudo o que tinha, pois, embora o ogro comesse criancinhas, era um bom marido e queria salvá-lo."

Para finalizar, gostaria de retomar o que foi dito na Apresentação do livro, feito pela editora Autêntica. De fato, os contos de fadas, inicialmente, não foram feitos para exclusivamente para crianças, mas podemos encontrar nesses pontos citados acima, que, com o tempo, as histórias foram se adequando aos seus ouvintes, principalmente aos mais novos. 
Como exemplo, podemos ver que as adaptações dessas histórias feitas recentemente são muito mais "leves" que as originais. Nesse volume, podemos encontrar uma Bela Adormecida bem diferente da personagem que tanto conhecemos da Disney. As versões para as crianças de hoje são bem mais, hã, digamos, coloridas. Não vou contar sobre mais nenhum, pois recomendo que confira por si mesmo. 

Se esse livro é para crianças ou não? Vai depender de você, ou do seu filho, sobrinho, primo, irmão, não sei. Mas ele é fantástico e também serve demais para nós, adultos (e eu nem sou tanto assim ainda). 

Dos "não tão conhecidos assim", o que mais me divertiu foi "Os músicos de Bremen", dos Grimm. O mais sombrio e dramático, sem dúvidas, é o "A pequena vendedora de fósforos", de Andersen. Preciso desse segundo volume pra ontem!

Leitura rápida e fluida, que, ora te assusta, ora te encanta. 

Nota: 4,5/5.


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